por Maria Bragaglia[1]
Na última semana de maio, jornais nacionais e internacionais noticiaram a visita de Estado da presidente Dilma Rouseff ao México. Com intuito de estreitar as relações comerciais com o país, a visita teve um tom muito mais econômico que diplomático. Durante os quase três dias que esteve no país, a presidente brasileira e o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, fizeram questão de enfatizar, em cada pronunciamento dado, a necessidade de maior aproximação entre os dois países, gigantes latinoamericanos.
Cientes da desaceleração econômica que os aguarda para este ano[2], os dois dirigentes reconheceram a importância de se promover ainda mais a diversificação de parceiros comerciais enquanto estratégia para diminuir sua vulnerabilidade em relação às reviravoltas da economia internacional e também canalizar seus demais problemas internos – ambos sofrem com graves escândalos de corrupção. Assim, para além de priorizar seus parceiros majoritários tradicionais, os dois se voltam à região a qual pertencem, a América Latina, e mais do que isso, se voltam um ao outro, uma vez que fica em inegável evidência a complementaridade conjuntural de suas economias.
Dessa forma, os presidentes têm por meta dobrar o comércio bilateral em menos de 10 anos, atualmente em pouco mais de 9 bilhões de dólares anuais, em que o México tem saldo favorável. Quanto aos investimentos mútuos, que somam 23 bilhões de dólares por parte mexicana contra 2 bilhões por parte brasileira, estes também serão estimulados. Buscando gerar emprego, renda e consequente bem-estar para a população, o jornal mexicano El Universal[3] relatou que Rouseff e Peña Nieto se empenharam em assinar vários acordos que atualizam o marco jurídico de cooperação entre os dois países, dentre os quais se destacam: o Acordo para Ampliação do Acordo de Cooperação Econômica 53 (ACE53), o Acordo de Cooperação Aduaneira, o Memorando de Entendimento sobre a Cooperação Turística e o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI).
Outro alvo de cooperação entre os países é o setor petrolífero, comentado apenas marginalmente nos principais veículos de comunicação. O aprofundamento das relações entre a Petrobras e a Petroleos Mexicanos (Pemex), institucionalizada em 2005 por meio de um convênio geral de colaboração científica, técnica e de treinamento, foi novamente cogitada pelos presidentes e tem como possível foco a realização de investimentos e atuação comum na cadeia de fornecedores, em particular na área naval, na qual a construção de estaleiros é fundamental[4].
A cooperação no setor é benéfica para as duas empresas. Para a Petrobras, é a oportunidade perfeita para provar, nacional e internacionalmente, que a corrupção que a envolve em nada afeta sua eficiência, dando a ela a possibilidade de ampliar seu lucro em um momento crítico utilizando a tecnologia em que é dominante: produção petrolífera em águas ultra-profundas. Caso a Petrobras consiga se inserir no mercado petrolífero mexicano, sua presença no Golfo do México será ainda maior, pois acaba de começar a exploração de seu quinto campo na porção norte-americana dessas águas em março deste ano[5]. Para sinalizar suas intenções de investimento, a empresa já se inscreveu na Rodada Um de licitação de 14 campos petrolíferos mexicanos, fato noticiado pelo jornal El País[6].
Para a Pemex, a parceria com a Petrobras não é apenas indicada, mas essencial, caso a companhia queira investir na exploração dessas águas. Com pouca tecnologia nesse âmbito, a empresa mexicana precisará se associar a Petrobras para elaborar projetos de exploração de alto nível e oferecer concorrência às demais companhias petrolíferas internacionais na obtenção de mais licitações na Rodada Um, já que perdeu algumas daquelas que requisitou na Rodada Zero, em que foi única participante.
A viabilidade dessa cooperação também deve ser entendida a partir do contexto em que se insere. Não seria possível à Petrobras participar da exploração do petróleo mexicano antes da aprovação de uma reforma energética no país ao fim de 2013. Até a efetivação da reforma e suas leis secundárias pelo atual presidente, não só os recursos minerais do subsolo eram de propriedade exclusiva do Estado do México, como sua exploração e produção eram de monopólio exclusivo da Pemex, conforme estabelecido constitucionalmente em 1938.
A reforma energética abrangiu os setores elétrico e petrolífero, abrindo espaço para investimentos da iniciativa privada nacional e estrangeira e redefinindo o status das companhias estatais que detinham o monopólio nesses setores e deixaram de ser empresas “paraestatais”, passando à categoria de “empresas produtivas do Estado”, supostamente mais autônomas. No caso do ramo petrolífero, espera-se que a exposição da Pemex à concorrência com outras companhias petrolíferas internacionais incentive a empresa a buscar ganhos de eficiência, já que sua produção tem caído cerca de 30% no mesmo horizonte temporal em que os investimentos têm triplicado, levando a companhia a operar no vermelho e o país a importar grande parte do gás e gasolina que consome. Destacam-se entre as possíveis causas de sua ineficiência a alta carga de tributos, o número excessivo de funcionários devido a atuação impositiva do sindicato e a composição de sua gerência por profissionais de caráter mais burocrata que empresarial, sendo todos esses problemas abordados pela reforma[7].
A Pemex não passa pelos mesmos problemas de corrupção que a Petrobras, mas especula-se sobre o futuro da empresa estatal mexicana. A reforma energética promovida por Peña Nieto ainda é muito recente e prevê mudanças significativas em um curto espaço de tempo, o que aumenta as incertezas em torno das consequências de sua implementação. Há aqueles que apostam na retomada de crescimento do setor com a chegada de investimentos e no fortalecimento das empresas nacionais, que devem corresponder a um padrão de competitividade internacional. Outros são mais pessimistas e temem pela credibilidade da empresa, que pode ser mais um alvo de corrupção como a Petrobras caso não mude sua natureza completamente pública e se insira no mercado de ações, onde terá que atender a requisitos de transparência para com seus investidores[8].
Essas suspeitas afetam inevitavelmente futuros investidores, que podem preferir não arriscar em meio a tantos aspectos inovadores como o próprio marco regulatório de exploração, que agora se dá por contratos de utilidade compartilhada[9]. Para piorar, a queda do preço do petróleo golpeou igualmente as expectativas de crescimento mexicanas: diminuiu os níveis de investimentos mundiais e abaixou as projeções de lucro, de forma que cabe a administração governamental encontrar outros meios que mantenham a atratividade de suas propostas[10].
Tendo em mente tudo o que foi mencionado, a pergunta a que se deve tentar responder é: qual a real intenção dessa recente aproximação? Ela é de caráter puramente conjuntural e pragmático ou representa de fato o início de uma trajetória de maior apronfundamento e institucionalização das relações bilaterais? Parece prematuro fazer esse tipo de indagação uma vez que as negociações desses acordos ainda estão em andamento e nada foi efetivamente aprovado por nenhum dos dois congressos nacionais. Entretanto, é justamente com base no propósito de médio e longo prazo dessas relações que boas estratégias de desenvolvimento nacionais são traçadas. Ainda que o discurso oficial brasileiro seja confiante e tenha considerado desde a formulação de um tratado de livre comércio entre os dois países até uma parceria entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, o posicionamento de alguns especialistas, como o de Amy Glover em coluna do jornal El Universal[11], tende ao pragmatismo das relações, sendo bem mais cético.
Tal ceticismo não é injustificado. Ao assinar esses acordos, o México tem por objetivo primordial garantir a reciprocidade das relações que o Brasil não tem demonstrado, pelo menos não na proporção desejada. Basta observar a nítida diferença entre os níveis de investimento mútuo acumulados e acompanhar a evolução do Acordo de Cooperação Econômica 55 (ACE55)[12]. Se a intenção do Brasil for de fato estabelecer relações gradualmente mais próximas com o México, sua presença no mercado mexicano não pode depender apenas da atuação de empresários brasileiros, como tem sido até então, sua economia não pode manter o mesmo patamar protecionista e o combate ao Custo Brasil deve continuar com mais esforço. Por fim, os dois países devem buscar agir com maior coordenação, inclusive nos fóruns multilaterais em que participam.
É claro que mudanças dessa importância não acontecem da noite para o dia, porém todas essas questões devem ser consideradas antes de se tomar o primeiro passo ou toda a caminhada pode se tornar inútil. Só nos resta aguardar as atualizações deste mês – quando as negociações dos acordos serão retomadas e acontecerá a primeira convocatória da Rodada Um – e esperar que Brasil e México decidam por decolar suas economias juntos.
[1] Mestranda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
[2] Em matéria, a BBC Brasil afirma que, segundo o FMI, as perspectivas de crescimento econômico de México e Brasil para 2015 são de 3% e -1%, respectivamente. Para estas e outras informações, acesse: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150524_dilma_mexico_jf>.
[3] RESÉNDIZ, Francisco. “México y Brasil cierran acuerdos en aeronáutica y turismo”. El Universal. 26 maio 2015. Disponível em: <http://www.eluniversal.com.mx/nacion-mexico/2015/firman-mexico-y-brasil-acuerdos-en-aeronautica-y-turismo-1102847.html>. Acesso em: 17/06/2015.
[4] BLOG DO PLANALTO. Acordo entre Petrobras e Pemex pode avançar em áreas de investimento comum como o setor naval. 25 maio 2015. Disponível em: <http://blog.planalto.gov.br/acordo-entre-petrobras-e-pemex-pode-avancar-em-areas-de-investimento-comum-como-o-setor-naval/>. Acesso em: 19/06/2015.
[5] PETROBRAS. Início da produção do campo Hadrian South em águas ultraprofundas no Golfo do México norte-americano. 30 março 2015. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/inicio-da-producao-do-campo-hadrian-south-em-aguas-ultraprofundas-no-golfo-do-mexico-norte-americano.htm>. Acesso em: 19/06/2015.
[6] CORONA, Sonia. Dilma viaja ao México para abrir caminho à exploração da Petrobras. El País. 25 maio 2015. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/25/politica/1432582930_139073.html>. Acesso em: 19/06/2015.
[7] GONZÁLEZ, Nayeli. “Reforma a Pemex, el objetivo: hacerla eficiente y rentable”. Dinero en Imagen. 11/08/2014. Disponível em: <http://www.dineroenimagen.com/2014-08-11/41700>. Acesso em: 19/06/2015.
[8] DELGADO, Mario. “O petróleo no México: a encruzilhada da democracia”. El País. 13/01/2014. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/12/internacional/1389495168_669278.html>. Acesso em: 20/05/2015.
[9] Esse marco difere do brasileiro, cuja exploração e produção pode ocorrer por concessão ou produção compartilhada. Para maiores informações sobre as diferenças entre os marcos regulatórios, acesse: http://www.excelsior.com.mx/nacional/2013/08/13/913428
[10] AHRENS, Jan. “A queda do petróleo põe em xeque a reforma energética do México”. El País. 18/01/2015. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/16/economia/1421412995_624473.html>. Acesso em: 20/06/2015.
[11] GLOVER, Amy. “Brasil y México, una relación pragmática”. El Universal. 27 maio 2015. Disponível em: <http://www.eluniversalmas.com.mx/editoriales/2015/05/76591.php>. Acesso em: 18/06/2015
[12] Tal acordo atendia muito bem aos interesses brasileiros até que a melhor competitividade mexicana na produção de automóveis levou o Brasil ao déficit em 2011, fazendo com que o país negociasse rapidamente quotas de importação, ainda vigentes. Para estas e outras informações sobre o acordo: <http://www.dineroenimagen.com/2015-05-24/55984>.