por Leonardo Ramos; Marcos Costa Lima; José Luiz Singi Albuquerque; e Barbara Lopes
A VII Cúpula dos BRICS, que ocorreu entre os dias 8 e 10 de julho, na cidade russa de Ufá, foi acompanhada por grandes expectativas acerca deste arranjo cooperativo[1]. Primeiro, a possibilidade de um aprofundamento da cooperação econômica entre os países do BRICS, que facilitasse o comércio intra-BRICS; segundo, sinalizações a respeito das situações na Síria, Estado Islâmico, Afeganistão e Ucrânia[2]; terceiro, a situação da Grécia: seria convidada para compor o Brics e/ou o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD)[3]?; quarto, o prometido “Mapa do Caminho para 2025”, que ajudaria a direcionar o desenvolvimento futuro do grupo; e quinto – para citar apenas alguns dos pontos mais relevantes –, os desdobramentos do acordo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e do Arranjo Contingente de Reservas (ACR) assinados na cúpula anterior, em Fortaleza.
O aprofundamento da cooperação econômica foi discutido no marco da “Estratégia para uma Parceria Econômica do BRICS”, que embora tenha destacado a importância da cooperação em diversas áreas como “a cooperação energética, agrícola, industrial e em processamento de minérios, a cooperação em ciência, tecnologia e inovação, a cooperação financeira, a conectividade e a cooperação em TICs” não avançou objetivamente nestes temas – situação semelhante ao que ocorreu com relação ao “mapa do caminho para o período até 2020”, que foi mencionado como algo cuja viabilidade será discutida futuramente pelo ministros e sherpas[4]. Com relação à cooperação comercial, financeira e de investimentos intra-BRICS, nota-se um avanço a partir do aprofundamento do diálogo entre as “Agências de Crédito às Exportações dos BRICS”[5], do papel do “Mecanismo de Cooperação Interbancária do BRICS”[6], da implementação do “Marco do BRICS de Cooperação em Comércio e Investimentos”[7] e da importância de um estudo acerca da viabilidade do “uso mais amplo de moedas nacionais no comércio mútuo”[8].
Contudo, apesar destas referências, em um contexto delicado para os países do BRICS, ficou claro que a prioridade da cúpula seria o NDB e o ACR. Neste sentido, durante a cúpula foram discutidos os detalhes sobre a entrada em vigor destes novos arranjos institucionais[9]. Assim, alguns indícios com relação ao funcionamento do NBD podem ser percebidos. Em primeiro lugar, embora se afirme a importância do NBD para o “financiamento de investimentos em infraestrutura e dos projetos de desenvolvimento sustentável nos BRICS e outros países em desenvolvimento e economias emergentes de mercado”[10], em termos práticos os fundos de investimento do NBD serão, prioritariamente, voltados para o investimento em infraestrutura nos países do BRICS – conforme destacado pelo ministro russo de finanças, Anton Siluanov[11]. Ora, isso tem relação direta com a atual situação de contração econômica de Brasil e Rússia (o que coloca limites às expectativas prévias acerca da possível ajuda dos BRICS à Grécia – que não foi nem mesmo diretamente mencionada na declaração): para o Brasil, o NBD deveria favorecer investimentos nas áreas de energia e infraestrutura, vistas como centrais para a retomada do crescimento. Já a Rússia vê no NBD a grande oportunidade de atrair o capital chinês.
Já era esperado que em Ufá fosse seguida uma tendência das cúpulas anteriores de direcionamento da agenda por parte do país anfitrião. Neste caso, era esperada uma aproximação entre BRICS, Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e União Econômica Eurasiática (UEE)[14], o que acabou contribuindo tanto para as discussões na área econômica quanto geopolítica.
Assim sendo, com relação às questões de segurança, a declaração é explícita quanto à necessidade de reforma do Conselho de Segurança, mas não expressa categoricamente apoio à candidatura de Brasil, Índia e África do Sul ao Conselho. Apenas apoia a aspiração deles desempenharem um papel maior no âmbito da ONU[15], o que em termos práticos, reafirma uma postura conservadora quanto à reforma do Conselho de Segurança.
Foi enfatizada “a necessidade da adesão universal aos princípios e normas de direito internacional em sua inter-relação e integridade, descartando o recurso a “critérios duplos” e evitando que os interesses de alguns países sejam colocados acima dos de outros”[16]. Considerando críticas recentes feitas por Putin aos EUA, este trecho parece trazer uma crítica velada ao comportamento dos EUA e ao recurso seletivo de fundamentação de suas ações em relação ao direito internacional. Além disso, segundo alguns analistas, também pode ser lido como uma crítica indiana ao comportamento paquistanês com relação ao terrorismo[17].
Foram também explicitamente destacados os casos da Síria, Iraque, Irã, conflito Israel-Palestina, Afeganistão, Sudão, Somália, Mali, República Democrática do Congo, Burundi e República Centro-Africana. Duas questões se destacam neste ponto: primeiro, a menção explícita a importância do respeito à soberania e não-intervenção em vários destes casos (especialmente Afeganistão, Iraque e Síria); segundo, dando prosseguimento a uma tendência que vem desde a cúpula de Nova Delhi[18] e com certa inflexão em Durban[19], há um espaço significativo para as questões de segurança e, neste caso, um aumento exponencial de referências explícitas aos problemas de segurança no continente africano – o que reflete a preocupação dos países do BRICS com a estabilidade da região, em especial China (investimentos) e África do Sul[20].
A despeito das críticas ao ordenamento vigente e à ação das potências tradicionais (como Estados Unidos e Europa), é importante perceber que a estratégia de não confrontação permanece[21]. Mesmo com a consolidação do NBD e do ACR, das articulações bilaterais entre os países membros bem como entre BRICS, OCX e UEE, ainda há menção à possibilidade de ação conjunta do NBD com outras instituições internacionais. Neste sentido, arranjos multilaterais existentes tiveram sua importância reafirmada, como em relação à OMC[22] e FMI. Neste caso, a reforma do FMI continua na pauta do grupo e neste caso nota-se que diferentemente de outros temas em que fez uma crítica velada, no tocante ao FMI, o BRICS cita nominalmente os EUA. Além disso, mesmo após ter criado o NBD e o ACR e criticado a estagnação da reforma do FMI, o BRICS insta os demais membros do Fundo a implementarem e continuarem a sua reforma[23]. Além disso, uma questão importante é perceber que neste caso, bem como nas discussões acerca das questões cambiais e regulamentação financeira global, o G20 continua sendo visto como referência de articulação, reforçado assim pelo grupo[24]. Por fim, outro ponto de destaque da cúpula de Ufá foram as relações intra-BRICS, com encontros e acordos bilaterais de cooperação nas áreas comerciais, de aviação, espacial, energia, nuclear e geopolítica[25].
Considerações finais
Seguramente, a situação econômica dos países do BRICS não é hoje a mesma de alguns anos atrás. Não obstante, alguns dados demonstram a importância do BRICS: desde sua primeira cúpula, as relações comerciais intra-BRICS aumentaram mais de 70% (de US$168 bilhões em 2008 para US$291 bilhões em 2014); a China hoje é o principal parceiro comercial do Brasil, da Índia, da Rússia e da África do Sul.
Com relação à Cúpula de Ufá, destacam-se os avanços com relação ao NBD e ao ACR e também o apoio dado pelos países do BRICS à Rússia, condenando as sanções e apoiando a opinião russa de que o conflito na Ucrânia seja resolvido politicamente, mediante o cumprimento dos acordos de Minsk[26]. Assim, embora para alguns analistas a cúpula de Ufá não tenha apresentado grandes inovações, é fundamental que a análise de conjuntura não perca de vista o contexto mais amplo, ou seja, como conjuntura e estrutura se relacionam. Neste sentido, Ufá se apresenta como um retrato, uma expressão clara dos processos de reinserção mundial da Rússia, de ascensão chinesa e de intensificação da cooperação entre as potências médias emergentes – em especial neste caso entre Rússia e China[27] – neste contexto de alteração das correlações de forças na economia política mundial.
[2] Dipanjan Roy Chaudhury. Ufa summit: BRICS nations to chart out common economic strategy for trade. http://economictimes.indiatimes.com/news/economy/foreign-trade/ufa-summit-brics-nations-to-chart-out-common-economic-strategy-for-trade/articleshow/47952163.cms.
[3] Russia invites Greece to join BRICS bank. May 13, 2015. http://rt.com/business/257701-greece-russia-brics-invitation/.
[4] BRICS – Declaração de Ufá, 2015, §17. http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10465:vii-cupula-do-brics-declaracao-de-ufa-ufa-russia-9-de-julho-de-2015&catid=42&Itemid=280&lang=pt-BR
[5] BRICS, 2015, §13.
[6] BRICS, 2015, §14.
[7] BRICS, 2015, §23.
[8] BRICS, 2015, §24.
[9] BRICS, 2015, §2.
[10] BRICS, 2015, §15.
[11] Ajay Kaul. BRICS FMS DISCUSS ELEMENTS OF DEVELOPMENT BANK Publication: PTI News | Provider: Press Trust of India | July 08, 2015;
Alexey Timofeychev. BRICS Development Bank begins operation on eve of Ufa summit. July 8, 2015. RBTH. http://rbth.com/business/2015/07/08/brics_development_bank_begins_operation_on_eve_of_ufa_summit_47573.html.
[12] BRICS, 2015, §15.
¿Cómo va a funcionar el Nuevo Banco de Desarrollo de los BRICS? 9 de julio de 2015. RBTH. http://es.rbth.com/economia/2015/07/09/como_va_a_funcionar_el_nuevo_banco_de_desarrollo_de_los_brics_50813.html
[14] BRICS, 2015, §3.
[15] BRICS, 2015, §4.
[16] BRICS, 2015, §6.
[17] No ‘selective application’ in dealing with terrorism: BRICS. http://economictimes.indiatimes.com/articleshow/48009406.cms?utm_source=contentofinterest&utm_medium=text&utm_campaign=cppst
[18] BRICS – Delhi Declaration, 2012.
[19] BRICS – eThekwini Declaration, 2013.
[20] Ramos, Leonardo et. al. Objetivos, contradições e atuação da África do Sul no G20. Boletim Meridiano 47, 132, 2012. http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/7131/5729
[21] Tal postura de que evita o confronto aberto fica claro na afirmação explícita da complementaridade entre cooperação sul-sul e cooperação norte-sul: “Estamos empenhados em reforçar e apoiar ainda mais a cooperação Sul-Sul, ressaltando ao mesmo tempo em que a cooperação Sul-Sul não é um substituto, mas sim um complemento, da cooperação Norte-Sul, que continua a ser o principal canal de cooperação internacional para o desenvolvimento” (BRICS, 2015, §66).
[22] BRICS, 2015, §21.
[23] BRICS, 2015, §19.
[24] BRICS, 2015, §11, §18, §26.
[25] Dilma Rousseff se reúne con Putin en Ufá tras cena de líderes BRICS. 8/07/2015, 23:25 EFE. http://es.rbth.com/noticias/2015/07/08/dilma_rousseff_se_reune_con_putin_en_ufa_tras_cena_de_lideres_brics_50803.html
Ahead of BRICS Summit 2015: PM Modi meets Xi, Putin in Russia. 2015. The Indian Express. Disponível em: http://indianexpress.com/article/india/india-others/ahead-of-brics-summit-2015-pm-modi-meets-xi-putin-in-russia/#sthash.5a3fsL90.dpuf. Acesso em: 10 jul. 2015.
Ajay Kamalakaran. Ufa twin summits: India looks to expand multilateral cooperation with Russia. July 7, 2015 , RIR. http://in.rbth.com/world/2015/07/07/ufa_twin_summits_india_looks_to_expand_multilateral_cooperation_with_ru_44067.html;
SASI, Anil. PM Narendra Modi in Russia: India to be inducted into Shanghai Cooperation group as member. 2015. The Indian Express. Disponível em: http://indianexpress.com/article/business/business-others/pm-narendra-modi-in-russiaindia-to-be-inducted-into-shanghai-cooperation-group-as-member/#sthash.c1Xlne7S.dpuf. Acesso em: 10 jul. 2015.
South Africa, Russia sign nuclear power agreements at BRICS meeting. 2015. Africa Cradel. Disponível em: http://www.africacradle.com/2015/07/10/south-africa-russia-sign-nuclear-power-agreements-at-brics-meeting/. Acesso em: 12 jul. 2015.
[26] BRICS, 2015, §43.
[27] Javier Vadell. Acordo energético Rússia-China: claves do novo bloco Eurásico. 28/05/2014. https://grupoemergentes.wordpress.com/2014/05/28/acordo-energetico-russia-china-claves-do-novo-bloco-eurasico/