A Promoção da Igualdade de Gênero no Governo de Rafael Correa: os desafios políticos no contexto da eleição equatoriana

por Bárbara Lopes Campos

O Equador acaba de completar mais um ciclo eleitoral em meio a processos intricados e complexos no cenário latino-americano. Porém, os resultados das elecciones generales de 2017 não garantem imediatamente a continuidade do legado de Rafael Correa, inclusive no que diz respeito à abordagem que incorpora a agenda da promoção da igualdade de gênero no país e na região.

Acontecimentos recentes no Brasil, Paraguai e Venezuela, por exemplo, estão revelando movimentos que demonstram inquietude política na região. Com a retirada de Dilma Rousseff do poder em 2016, interrompendo a liderança política do Partido dos Trabalhadores no Brasil, diversas discussões emergiram, movidas pelas transformações que assombram a população brasileira. Os projetos políticos pautados pelo governo incluem cortes de investimento social por parte do Estado, reformas no sistema previdenciário, na legislação trabalhista e mudanças que alteraram mecanismos institucionais, como a própria Secretaria de Políticas para Mulheres. O processo de impeachment de Fernando Lugo no Paraguai, que durou apenas 36 dias em 2012, abriu espaço para o retorno do partido Colorado, que lidera o cenário político paraguaio desde a década de 1940. Porém, a recente manobra de Horácio Cartes, eleito em 2013, resultando na aprovação do senado da possibilidade de reeleição do presidente, foi mal recebida pela população. Protestos irromperam no país, desencadeando atos que culminaram no atear de fogo no congresso paraguaio, atitude que pode representar profunda rejeição da população pelo caminho político seguido pelo país. Já na Venezuela, a incerteza do governo de Nicolás Maduro, que assumiu a liderança do país também em 2013, demonstra a impossibilidade de uma estabilidade pelo discurso da continuidade do legado de Hugo Chávez. A oposição ao governo está se mobilizando contra Maduro, impulsionando medidas como o referendo revogatório ao presidente. Porém, Maduro apresenta uma postura rígida à fragilidade política do país, instituindo medidas de cunho autoritário como a proibição de Henrique Capriles, um dos maiores líderes da oposição venezuelana, a concorrer em cargos políticos pelos próximos 15 anos.

Tendo como plano de fundo tal conjuntura, Lenín Moreno emerge na disputada presidencial equatoriana como o sucessor de Rafael Corra. Sendo membro do Alianza País e vice-presidente de Correa até 2013, Moreno – ele próprio cadeirante – demarcou sua presença na política nacional e internacional como um defensor e promotor dos direitos de pessoas com deficiência e de minorias. Sua campanha eleitoral foi guiada pelo discurso da necessidade de aprofundar a agenda política e social do governo, ao mesmo tempo em que seria independente de Correa. No dia 02 de abril, Moreno é declarado presidente eleito da República do Equador com 51,16% dos votos. Porém, a disputa eleitoral foi acirrada e o cenário político se configura como desafiador para o novo presidente. O resultado apertado do segundo turno, onde o líder da oposição Guillerme Lasso – da base Creo-Suma – recebeu 48,84% dos votos, confirma uma tendência heterogênea e não foi respaldado pela oposição (CONSEJO NACIONAL ELECTORAL, 2017). O resultado eleitoral foi recebido com protestos em algumas regiões do país e Guillerme Lasso pediu recontagem imediata de votos, afirmando que um poder executivo liderado por Moreno seria ilegítimo (MANETTO, 2017). Rafael Correa, por sua vez, declarou em redes sociais que o Alianza País acatou o pedido do Creo para recontagem dos votos, com a condição de que a oposição peça desculpas para o Equador e ao mundo quando a vitória de Lenín for confirmada.

A manutenção ou não de um governo executivo comandado por Lenín Moreno, no sentido de dar continuidade à agenda de Correa, pode ter impactos significativos na forma como questões de gênero, assim com outras demandas sociais, tem sido tratadas pelo Equador nos últimos anos. Desde a ascensão de Rafael Correa em 2006, o Estado equatoriano passou por uma imensa transformação ao incluir, em seu interior, as discussões sobre Estado Plurinacional e a filosofia do Bem Viver (SCHAVELZON, 2015). A partir da Revolución Ciudadana Ecuatoriana, a nova Constituição do Equador incluiu de forma sistemática no Estado a importância da promoção da igualdade de gênero (DEFENSORÍA DEL PUEBLO DEL ECUADOR). A partir daí, diversos projetos de lei e políticas públicas voltadas para os dos direitos das mulheres e de outras minorias foram elaborados e adotados no governo de Correa, muitos deles sendo inclusive de sua autoria.

Dentre eles vale destacar a Ley Orgánica de los Consejos Nacionales para la Igualdad, proposta pelo executivo e aprovada pela Assembleia Nacional em 2014. A lei estabelece Conselhos que exercem atribuições, em todos os níveis do governo, na formação, transversalização, observância, acompanhamento e evolução das políticas públicas relacionadas às temáticas de: gênero, etnia, geração, intercultura, e de deficiência e mobilidade humana. Em especial, o Conselho Nacional para a Igualdade de Gênero está diretamente ligado à elaboração da agenda para a igualdade de gênero a nível nacional (REPÚBLICA DEL ECUADOR, 2014b). Ainda, Rafael Correa propôs e conseguiu aprovar pela Assembleia importantes projetos de lei como o Código Orgánico de Organización Territorial, Autonomía y Descentralización, aprovado em 2010, que aprofunda e estabelece mecanismos que garantem a continuidade da agência dos Conselhos Nacionais (REPÚBLICA DEL ECUADOR, 2010). Além disso, vale destacar o Código Orgánico Integral Penal, aprovado em 2014, que é de extrema importância para garantir direitos básicos das mulheres equatorianas. Nessa legislação, avanços importantes foram conquistados em termos da tipificação de feminicídio, discriminação e violência doméstica; além de estabelecer sanções e penas claras para a prática de tais crimes (REPÚBLICA DEL ECUADOR, 2014a). Podemos destacar, portanto, a importância de Rafael Correa na incorporação de tais pautas, de modo que a diretriz de seu poder executivo, juntamente com o respaldo e a maioria de seu partido no poder legislativo, encaminharam importantes pautas no país sobre direitos das mulheres e de minorias.

Diante de tais processos, e apesar da tensão política constante, as eleições para o legislativo nacional confirmaram a maioria do partido de Correa, Alianza País, na Assembleia Nacional, indicando uma continuidade no alinhamento entre o poder legislativo e executivo, caso Lenín Moreno se consolide na presidência (REPÚBLICA DEL ECUADOR, 2017). Porém, a eleição acirrada e o descontentamento dos segmentos empresarias, juntamente com a perda de apoio por segmentos campesinos e indígenas no país, podem indicar uma situação mais difícil de ser balanceada pelo sucessor de Correa. Tal situação conflituosa implica em desafios para a manutenção e aprofundamento da agenda política e social de promoção da igualdade de gênero e de direitos de minorias desenvolvida no Equador na última década.

Referências

DEFENSORÍA DEL PUEBLO DEL ECUADOR. Política Institucional de Igualdad de Género 2016-2019. Disponível em: http://repositorio.dpe.gob.ec/bitstream/39000/1132/3/AD-DPE-001-2016.pdf . Acesso em: 26 jan. 2017.

CONSEJO NACIONAL ELECTORAL. Resultados de la Elección de Presidente del Ecuador 2017 ¿Quién ganó la Segunda Vuelta? Quito, 2017. Disponível em:  http://www.eleccionesenecuador.com/informacion-resultados-eleccion-presidente-83.html . Acesso em: 09 abr. 2017.

MANETTO, Francesco. Moreno gana las elecciones en Ecuador y el opositor Lasso pide un recuento. El País, 2017. Disponível em: http://internacional.elpais.com/internacional/2017/04/01/actualidad/1491081329_699004.html. Acesso em: 09 abr. 2017.

REPÚBLICA DEL ECUADOR. Asamblea Nacional: Código Orgánico Integral Penal, de 2014a. Disponível em: http://ppless.asambleanacional.gob.ec/alfresco/d/d/workspace/SpacesStore/c5de1907-b2b8-4ee2-83ca-122fb7c57c62/Registro%20Oficial%20N%B0%20180%20C%F3digo%20Org%E1nico%20Integral%20Penal.pdf . Acesso em: 22 jan. 2017.

REPÚBLICA DEL ECUADOR. Asamblea Nacional: Pleno – Asambleístas. Disponível em: http://www.asambleanacional.gob.ec/es/pleno-asambleistas . Acesso em: 03 dez. 2016.

REPÚBLICA DEL ECUADOR. Código Orgánico de Organización Territorial, Autonomía y Descentralización, de 2010. Disponível em: http://ppless.asambleanacional.gob.ec/alfresco/d/d/workspace/SpacesStore/eea99806-ed73-4805-9c7d-b0e8c90f0dbc/Registro%20Oficial%20N%B0%20303%20C%F3digo%20Org%E1nico%20de%20organizaci%F3n%20Territorial,%20Autonom%EDa%20y%20Descentralizaci%F3n.pdf . Acesso em: 24 jan. 2017.

REPÚBLICA DEL ECUADOR. Registro Oficial: Año II Nº 283 Quito, lunes 7 de julio de 2014b. Lei dos Conselhos Nacional para a Igualdade. Disponível em: http://ppless.asambleanacional.gob.ec/alfresco/d/d/workspace/SpacesStore/2d8c9424-3e3b-45fa-bc2e-8c2600ef7a35/Registro%20Oficial%20No.%20283%20Ley%20Organica%20Consejos%20Nacionales%20para%20la%20Igualdad.pdf . Acesso em: 05 jan. 2017.

SCHAVELZON, Salvador. Plurinacionalidad y Vivir Bien/Buen Vivir Dos conceptos leídos desde Bolivia y Ecuador post-constituyentes. Quito, Ecuador: Ediciones Abya-Yala, 2015.

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